Semana passada, aconteceu nas Astúrias, Espanha, a Conferência Internacional
da OMS[Organização Mundial de Saúde] sobre Determinantes do Câncer Ambiental
e Ocupacional – Intervenções para Prevenção Primária.
O consultor ambiental Barry Castleman, dos Estados Unidos, foi um dos conferencistas
convidados. Testemunha-expert nas cortes americanas e consultor dos principais
organismos internacionais de saúde, trabalho e meio ambiente em questões
referentes ao amianto, ele recebeu à última hora telefonema dos organizadores,
solicitando para que, na palestra, descrevesse as pressões da indústria do amianto
sobre os profissionais de saúde pública.
“Relatei a situação de Fernanda Giannasi”, observa Castleman. “Não conheço outro
país no mundo dito ‘civilizado’ onde os ativistas contra o amianto e profissionais de
saúde pública tenham sido processados ou ameaçados de processo criminal, como
está acontecendo com essa engenheira de segurança do trabalho.”
“O indiciamento dela pelo FBI brasileiro [Polícia Federal] me parece absurdo”, diz
Castleman. “Pelo que sei a Justiça a tem apoiado na interdição de exportação de
cargas de amianto a partir do porto de Santos, já que o amianto é proibido no estado
de São Paulo. Como pode a Polícia Federal da região portuária tentar incriminar a
Fernanda por abuso de poder, se ela estava simplesmente fazendo o seu trabalho de
fiscalização e seguindo a legislação em vigor?”
Castleman refere-se à engenheira de segurança no trabalho Fernanda Giannasi,
auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e coordenadora da Rede
Virtual pelo Banimento do Amianto na América Latina.
O amianto é proibido em São Paulo, desde 4 junho de 2008, quando o Supremo
Tribunal Federal (STF) que validou a lei paulista 12.684, que veda o uso do mineral
em todo o estado. Foi por 7 votos a 3.
O ministro Carlos Ayres Britto foi um dos que votaram a favor: “A lei estadual se
contrapõe por modo tão frontal à lei federal que simplesmente proíbe a
comercialização, a produção, o transporte de todo e qualquer tipo de amianto
no Estado de São Paulo”.
“Pela primeira vez o STF eliminou as questões preliminares e foi ao cerne
do problema, tomando por base trabalhos científicos idôneos”, avaliou, na
ocasião, para o Viomundo o advogado Mauro Menezes, das associações Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP). “O STF considerou de forma muito convicta que todo tipo de amianto, em função da lesividade ao ser humano, não se compatibiliza
com uma questão maior que está garantida na nossa Constituição, que é o
direito à saúde e à vida.”
Explica-se. Todas as formas e todos os tipos de amianto são
comprovadamente cancerígenos ao ser humano, inclusive a crisotila, existente
no Brasil. Não há dose segura para o risco de câncer; a única quantidade
de amianto que protege é a exposição zero, ou seja, exposição nenhuma.
É a posição da OMS, da IARC (Agência Internacional para a Pesquisa
do Câncer), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da
Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Instituto Nacional de
Saúde e Pesquisa Médica, o INSERM, da França, do Instituto Nacional de
Saúde Ocupacional, o NIOSH, dos Estados Unidos. Também a da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Brasil.
GIANNASI: LEI PAULISTA RESPALDA INTERDIÇÃO DE CARGAS
“Assim, respaldados pela lei paulista e a decisão do STF, eu e as vigilâncias
sanitária estadual e a do Guarujá flagramos, em 8 junho de 2009, 26 toneladas de amianto
in natura chegar à Cortês [Transportadora e Armazéns], no Guarujá, via Rápido 900”, relata
Fernanda Giannasi. “Interditamos a carga, determinando imediato retorno a Minaçu.
Interditamos outras 3.100 toneladas, já estocadas no pátio e que iam ser despachadas
para a Ásia.”
As cargas de amianto são da SAMA, empresa responsável pela única mina de amianto
em exploração no Brasil. É a mineradora do grupo Eternit, o maior do país no setor. Ela
fica em Minaçu, norte de Goiás, para onde as 26 toneladas retornaram.
A Rápido 900 é uma das duas transportadoras autorizadas pelo MTE a levar o produto
in natura de Minaçu para os estados onde ainda é permitida a sua utilização.
A São Expedito, a outra. A auditora fiscal do MTE e as vigilâncias sanitárias
interditaram ambas por trafegarem no estado de São Paulo, carregando o material
proibido aqui.
A Cortês atua como despachante alfandegário da SAMA junto à Receita Federal.
Circulam pelas suas instalações cerca de 180 mil toneladas de amianto por ano,
exportadas principalmente para a Ásia, já que o mercado interno do mineral
cancerígeno está cada vez mais restrito. Em seus pátios e armazéns,
as cargas são transferidas para contêineres marítimos, armazenadas e
desembaraçadas. Depois, transportadas ao porto de contêineres da
Santos-Brasil, a 6 km de distância.
AUTUADA: “DIREITOS ILEGALMENTE CERCEADOS PELA AUDITORA”
A Cortês entrou com várias medidas judiciais contra a interdição das cargas e a
proibição de exportação, visando também afastar Fernanda Giannasi das inspeções.
A empresa diz:
A auditora fiscal do trabalho, sra. Fernanda Giannasi, realmente interditou
indevidamente algumas cargas de amianto alocadas em nossa sede. Essas
cargas já foram desinterditadas em razão de ordem judicial e encaminhadas
ao destino. Ressalte-se que nessas medidas jurídicas ficou constatado por
perito judicial que nossa empresa adota cumpre todas as normas de segurança
sem expor nossos trabalhadores ou o meio ambiente a qualquer risco.
Assim, resta evidente, que as medidas judiciais apresentadas visaram
restabelecer os nossos direitos que foram indevida e ilegalmente cerceados
pela auditora fiscal.
Entendemos que sra. Fernanda Giannasi não possui a necessária isenção de
ânimo, tampouco desinteresse, para fazer fiscalizações em instalações que digam
respeito ao amianto, tendo em vista que é ativista pelo seu banimento e, nessa
condição, participa pelo menos das seguintes entidades contrárias ao amianto:
ABREA-Associação Brasileira dos Expostos o Amianto e Ban Asbestos
Network no cargo de Coordenadora da Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do
Amianto na América Latina.
Não foi por outro motivo que o juiz da 24ª Vara Federal de São Paulo concordou
que referida funcionária pública não pode fiscalizar a nossa empresa. É tão
evidente sua parcialidade que o próprio juiz disse: “… é pertinente o pedido de
determinar que a Sra. Fernanda Giannasi se abstenha de fiscalizar a empresa
dado que a sua participação em rede virtual para banimento do amianto na
América Latina, na qual é coordenadora, revela evidente parcialidade na
condição de Fiscal do Ministério do Trabalho”.
DESEMBARGADORA ANULA DECISÃO CONTRA FERNANDA
FISCALIZAR AMIANTO
“A guerra de liminares favoreceu inicialmente a Cortês, permitindo que exportasse
as primeiras 3.100 toneladas interditadas; a Justiça de Santos cancelou a ação da
vigilância sanitária municipal”, diz Fernanda Giannasi. “Só que a empresa continuou
a receber, transportar e exportar o amianto. Autuei-os novamente. Ela obteve, então,
uma sentença de primeira instância da Justiça Federal de Santos que determinou
que me abstivesse de fiscalizar a empresa. O juiz aceitou a tese de que não
havia imparcialidade na minha ação, mas frustrou as pretensões da empresa quando
a proibiu de continuar a receber cargas de amianto até decisão final.”
“Como a minha defesa está a cargo da Advocacia Geral da União [isso ocorre quando
funcionários públicos federais são processados devido ao exercício da função], a AGU
entrou com recurso [agravo de instrumento], que foi apreciado pela desembargadora
federal Salette Nascimento”, prossegue. “A desembargadora [segunda instância]
não detectou nada que me impossibilitasse de fiscalizar a Cortês e anulou a decisão de
primeira instância.”
A propósito, a Sama, dona das cargas interditadas, entrou com ação na Justiça
Federal do Distrito Federal (trechos abaixo), para afastar Fernanda Giannasi, da
fiscalização do amianto da empresa. Pediu que antes mesmo de julgada a ação,
fosse concedida tutela antecipada. Ou seja, a auditora fosse afastada imediatamente
da inspeção. O juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira, da 14ª Vara Federal,
negou a tutela antecipada (documento mais abaixo)
“A Cortês tem recorrido em várias instâncias do Poder Judiciário para impedir a
fiscalização da empresa”, continua a auditora fiscal. “Num desses processos, o juiz
pediu à Polícia Federal que investigasse o caso.”
Em 25 de agosto de 2010, o delegado Cássio Luis Guimarães Nogueira convocou-a
para depor nos autos do inquérito policial instaurado a pedido do Juiz da 3ª Vara da
Justiça Federal de Santos/SP, em decorrência de outro processo movido pela
Cortês para impedir a fiscalização em suas instalações.
“MEU INDICIAMENTO PELO DELEGADO DA PF JÁ ESTAVA DECIDIDO”
O depoimento de Fernanda Giannasi foi no dia 9 de fevereiro de 2011. Saiu
indiciada por abuso de poder.
“Estou perplexa, pois compareci para prestar esclarecimentos e colaborar no
processo. Estranhei o tom agressivo do delegado, o tempo todo. Desde o início,
deixou claro que não se influenciaria pelo o que eu dissesse, o meu indiciamento
já estava decidido.”
“Ele me perguntou se já havia sido processada criminalmente. Disse que sim, e
pelos
detratores de sempre, que querem me tirar da fiscalização do amianto, para ter no setor
alguém sem experiência que não lhes crie problemas. Mas sempre fui absolvida.”
O delegado Cássio Luis bateu na tecla de que Fernanda Giannasi não pode ter opinião
e tem de declinar conflito de interesses. Sobre isso, ela diz ao Viomundo:
“Não tenho conflitos de interesse, pois não trabalho para ninguém a não ser o Ministério
do Trabalho e Emprego, e não tenho qualquer outra remuneração. Sou concursada
há 28 anos, tenho dedicação exclusiva e sou carreira típica de Estado. Coordeno uma
rede virtual de cidadão, pela internet, trocando experiências e debatendo
os riscos do amianto à saúde dos trabalhadores e da população.”
“Sigo à risca o parecer da AGU, que determinou que eu fizesse ações conjuntas com
a vigilância sanitária, embora alguns Juízes do Trabalho entendam que a competência
da fiscalização dos ambientes de trabalho e onde haja vínculo empregatício é exclusiva
do Ministério do Trabalho e Emprego. As vigilâncias sanitárias (do estado, regional e
municipal) só não vão junto quando há liminares que as impedem, como ocorreu nas
fábricas de fibrocimento usuárias de amianto em Leme e Hortolândia. Aí, fui com o
Ministério Público do Trabalho.”
“Nas fiscalizações, não emito juízo de valor acerca da exposição às fibras
de amianto. Apenas aplico a lei em vigor no estado de São Paulo, referendada
e ratificada pelo STF desde 2008. Só autuo empresas com irregularidades,
entre as quais as que transportam, armazenam e exportam o amianto, bem
como as que o comercializam e o utilizam.”
“Como o meu direito de defesa foi cerceado – o delegado não me permitiu concluir uma
resposta! -, optei por permanecer calada e somente ser ouvida em Juízo, onde terei
assegurado amplo direito de defesa garantido por lei”, explica Fernanda. “Até agora não
sei o completo teor das denúncias contra mim, pois ele [o delegado da Polícia Federal
de Santos] não quis me fornecer sequer cópia da mesma ou detalhes de seu conteúdo.”
Ao final do depoimento, Fernanda assinou um documento onde estava escrito:
Cientificada das imputações que lhe são feitas e de seus direitos constitucionais,
inclusive o de permanecer calada, a interrogada respondeu que ‘a
interrogada devidamente esclarecida de seus direitos constitucionais, manifesta
neste ato desejo de permanecer calada e de só responder às perguntas que lhe forem
formuladas em juízo e se forem objeto afinal de processo criminal, de forma
que possa melhor se orientar com seu advogado ou aquele que lhe for designado
pela Advocacia Geral da União…’
Indiciamento significa que o inquérito, depois de concluído, será enviado ao
Ministério Público Federal. Lá, um promotor de justiça federal analisará o caso,
para então decidir se instaura ou não processo crime pelo suposto abuso
de poder.
Solicitamos à assessoria de comunicação da Polícia Federal entrevista com o
delegado Cássio Luis Guimarães Nogueira para falar sobre o indiciamento
de Fernanda Giannasi. A resposta à solicitação veio no e-mail abaixo.
RECONHECIMENTO MUNDIAL VS. AMEAÇAS DE MORTE E IINTIMIDAÇÕES
Fernanda é incontestavelmente a maior referência no Brasil sobre o amianto.
Seu trabalho é reconhecido no mundo inteiro.
“Ela é a agente de saúde pública mais dedicada, corajosa e talentosa enfrentada
pela indústria do amianto em qualquer lugar do mundo”, elogia Barry Castleman.
“Ela combina as funções de funcionária pública (como auditora-fiscal do trabalho),
ativista (como coordenadora de uma rede virtual) e, sobretudo, cidadã exemplar.”
Fernanda também incomoda, aqui e lá fora. Em abril de 2001, Denis Hamel, diretor do
Instituto do Crisotila do Canadá mandou uma carta ao então Ministro do Trabalho e
Emprego
do Brasil, Francisco Dornelles, pedindo “para repreendê-la e enquadrá-la”.
No documentário franco-canadense A morte lenta pelo amianto, Hamel justifica a
retaliação: “Ela dá declarações mentirosas, exageradas, que prejudicam enormemente
os esforços da indústria”. Ele se refere aos esforços da indústria para convencer sobre a
inocuidade do amianto branco crisotila e seu uso seguro e responsável pela indústria em
sua tese chamada de “uso controlado”.
Nem uma ameaça de morte calou Fernanda. Em 28 janeiro de 2004, três auditores fiscais do
trabalho e o motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados em Unaí,
Minas Gerais. Cinco dias depois da chacina, uma carta anônima, intimidatória, ameaçando-a
abertamente, foi enviada à sua casa.
Na ocasião, segundo esse relatório, Fernanda Giannasi enviou e-mail pessoal ao então
ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini (ex-presidente da CUT e atualmente
deputado federal PT-SP), pedindo garantias de vida e apoio para realizar seu trabalho
na fiscalização trabalhista. Ele respondeu de forma muito solidária.
Na prática, porém, Fernanda foi impedida de inspecionar e designada a fazer serviços
burocráticos numa sala sem telefone e computador. Era o arquivo-morto da seção. Assim,
em vez de protegê-la, Berzoini puniu-a com o confinamento, impossibilitando-a de fazer o
seu trabalho por quase dois meses, sob os olhares indignados de parte do movimento
sindical e revolta das vítimas do amianto. Sob pressão, inclusive da imprensa, o então
superintendente regional do trabalho, Heiguiberto Della Bella Navarro (“Guiba” ), determinou
o retorno de Fernanda à fiscalização, sem maiores explicações.
Recentemente, Fernanda recebeu duas cartas da Alemanha, postadas na Universidade de
Berlim. O autor faz ameaças de morte e defesa radical do amianto, apresentando-o como
sinônimo de Eternit, material indestrutível, capaz de salvar a humanidade da contaminação
radioativa.
“Quem deveria estar protegendo a Fernanda é justamente quem tenta, agora,
incriminá-la por abuso de poder”, diz, indignado, Eliezer João de Souza, 69 anos,
presidente da Abrea, que, em 2000, teve de extrair nódulos no pulmão, causados
pelo amianto.
“FERNANA ESTÁ AJUDANDO MILHÕES DE JOVENS A NÃO FICAR
DOENTES POR CAUSA DO AMIANTO”
Todos os tipos de amianto causam: 1) asbestose — endurecimento do pulmão, que
perde progressivamente a capacidade de expandir, levando lentamente à morte por asfixia;
2) câncer de pulmão, laringe, aparelho digestivo e ovário; 3) mesotelioma, que pode
ser de pleura (membrana que reveste o tórax), peritônio (membrana que reveste a
cavidade abdominal) ou pericárdio (membrana que recobre o coração). É um tumor
maligno e extremamente agressivo, incurável e fatal, que pode aparecer 35, 40 e
até 50 anos após o primeiro contato com o amianto.
“Por ano, o amianto causa 107 mil mortes em todo o mundo. Entre as vítimas, não estão
só trabalhadores, mas também consumidores do produto, desmentindo a indústria que
diz ser apenas um problema de saúde ocupacional”, informa Castleman. “Em 10 de
março, testemunhei num julgamento em Oakland, Califórnia, num caso de
mesotelioma de pleura em homem que vendia alimentos nos arredores de fábricas.
De 1970 a 1980, ele passava uma hora por dia na frente de uma fábrica de produtos
de construção, de onde os trabalhadores saíam cobertos de poeira de amianto,
para comprar comida dele. Esse amianto era a crisotila, que ainda hoje é
extraída no Brasil.”
“A mídia deveria gastar menos tempo em falar sobre astros de cinema e TV e mais
sobre pessoas exemplares, como a Fernanda Giannasi. Os jovens também deveriam
ler sobre as pessoas que fazem do mundo um lugar melhor e não exigem como
pagamento nada além do que poder fazer o seu trabalho bem”, arremata Castleman.
Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
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